Outorga do uso da água: quando é obrigatória e como evitar sanções?

Entenda o que é a outorga, em quais situações ela é exigida e como regularizar o uso de recursos hídricos com segurança jurídica e responsabilidade ambiental.


📅 Por Equipe Técnica ECCONEX | 17 de julho de 2025 | Leitura: 8 minutos

 

Você sabia que captar água de poços, rios ou mananciais sem autorização pode resultar em multas, embargos e inviabilização do licenciamento ambiental?

A água, por ser um bem público de domínio coletivo, possui uso condicionado à autorização do poder público. Mesmo sendo essencial às atividades humanas e produtivas, seu uso está sujeito a normas técnicas e legais rigorosas. A outorga de direito de uso da água é o principal instrumento que regula esse acesso, garantindo que ele ocorra de forma sustentável, legal e equitativa.

O que é a outorga de uso da água?

A outorga é um ato administrativo previsto na Lei nº 9.433/1997 (Política Nacional de Recursos Hídricos) que confere ao usuário o direito de utilizar recursos hídricos por prazo determinado, em condições específicas.

Ela não transfere a propriedade da água, que permanece como bem público, mas assegura seu uso sob controle e monitoramento, com base em critérios técnicos de disponibilidade e sustentabilidade ambiental.

Objetivos fundamentais da outorga:

  • Garantir o controle quantitativo e qualitativo dos usos da água;
  • Compatibilizar a demanda com a disponibilidade hídrica;
  • Prevenir conflitos entre usuários de uma mesma bacia;
  • Proteger os ecossistemas aquáticos e sua capacidade de suporte;
  • Promover o planejamento e a gestão integrada dos recursos hídricos.

Quando a outorga é obrigatória?

De acordo com o artigo 12 da Lei nº 9.433/1997 e as normas complementares da Resolução ANA nº 833/2011, a outorga é obrigatória para os seguintes usos de recursos hídricos, quando incidentes sobre corpos de água de domínio público:

  1. Derivação ou captação de água superficial para consumo final ou como insumo em processos produtivos, inclusive para abastecimento público, irrigação, uso industrial e dessedentação animal.
  2. Extração de água subterrânea, por meio de poços artesianos ou semiartesianos, para qualquer finalidade de consumo ou uso produtivo.
  3. Lançamento de efluentes líquidos ou gasosos em corpos d’água, tratados ou não, com a finalidade de diluição, transporte ou disposição final. A outorga não autoriza o lançamento em si (que depende do órgão ambiental), mas o uso da vazão do corpo hídrico para a diluição dos efluentes.
  4. Aproveitamento de potenciais hidrelétricos, independentemente do porte do empreendimento.
  5. Acúmulo de volumes de água que alterem o regime de vazões do corpo hídrico, como represamentos ou barramentos, quando tais alterações afetam a quantidade de água disponível a montante ou a jusante.
  6. Atividades de aquicultura em tanque-rede, quando há interferência na disponibilidade hídrica ou alteração no regime do corpo d’água.
  7. Outros usos que alterem o regime, a quantidade ou a qualidade da água, mesmo que não expressamente listados, desde que impliquem impacto relevante no corpo hídrico.

Importante: alterações meramente físicas no corpo d’água, como mudanças no nível ou na velocidade de escoamento, não são, por si só, consideradas usos sujeitos à outorga, a menos que modifiquem efetivamente o regime de vazões.

E quanto aos usos considerados insignificantes?

Nem todo uso de água está automaticamente sujeito à outorga. A legislação prevê exceções para usos considerados insignificantes, que, embora tecnicamente passíveis de outorga, podem ser formalmente dispensados pelo órgão gestor, desde que respeitados os critérios estabelecidos em normas específicas.

De acordo com a Resolução ANA nº 1.175/2013, são considerados insignificantes, no âmbito de corpos d’água de domínio da União:

  • Captações de água iguais ou inferiores a 86,4 m³/dia;
  • Lançamentos de efluentes com carga máxima de DBO5,20 até 1,0 kg/dia;
  • Lançamentos de até 216 m³/dia de efluente com temperatura superior à do corpo hídrico, desde que inferior a 40°C;
  • Usos destinados ao atendimento emergencial de atividades de interesse público;
  • Usos temporários e de curta duração, que não caracterizem uso contínuo ou permanente.

Para que o uso seja classificado como insignificante, deve-se considerar o efeito cumulativo das interferências de um mesmo empreendimento sobre o corpo hídrico, incluindo captações e lançamentos simultâneos ou sucessivos.

É importante destacar que a dispensa de outorga deve ser emitida pelo órgão gestor (ANA ou órgão estadual competente), com base em análise técnica. O usuário não pode presumir que seu uso está dispensado sem manifestação oficial.

Usos que não estão sujeitos à outorga

Além dos usos considerados insignificantes, a Resolução também lista atividades que, por sua natureza, não configuram uso de recursos hídricos nos termos da legislação, e por isso não estão sujeitos à outorga. São exemplos:

  • Serviços de escavação e dragagem (desassoreamento, limpeza, conservação de margens, extração mineral), desde que não haja captação de água para composição de polpa ou alteração no regime de vazão;
  • Obras de travessia de corpos hídricos, como pontes, passagens molhadas, dutos subterrâneos ou aéreos;
  • Interferências hidráulicas que não alterem a disponibilidade ou o regime de vazão, como soleiras de nível e diques estáticos.

No caso da dragagem com captação de água (por exemplo, para transporte hidráulico de areia até áreas de beneficiamento), a atividade passa a ser considerada uso significativo e sujeito à outorga.

Quem concede a outorga?

A competência depende do domínio do corpo hídrico:

  • Águas de domínio da União (rios interestaduais, transfronteiriços ou que deságuam no mar):
    ➤ Responsável: Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA).
  • Águas de domínio estadual (rios que correm dentro de um único estado):
    ➤ Responsável: Órgãos gestores estaduais (ex: INEMA-BA, IGAM-MG, DAEE-SP).

Na Bahia, a outorga é regulamentada pelo Decreto Estadual nº 15.082/2013 e gerida pelo INEMA.

Quais os riscos de operar sem outorga?

O uso não autorizado configura infração administrativa e ambiental, com consequências que incluem:

  • Aplicação de multas e sanções;
  • Embargo de obras ou suspensão de atividades;
  • Cancelamento de licenças ambientais;
  • Bloqueio de acesso a financiamentos públicos e privados;
  • Responsabilização civil, administrativa e penal por danos causados;
  • Conflitos com outros usuários e instabilidade no uso da bacia.

Além disso, a ausência de outorga inviabiliza o licenciamento ambiental do empreendimento, pois o uso regular da água é requisito obrigatório em processos de licenciamento, outorga de lançamento e autorização de operação.

Como funciona o processo de outorga?

Etapas gerais:

  1. Cadastro do usuário no CNARH (Cadastro Nacional de Usuários de Recursos Hídricos);
  2. Apresentação do requerimento técnico, com estimativas de uso, demanda e caracterização do ponto de interferência;
  3. Elaboração e anexação de documentação técnica, como mapas georreferenciados, planta de situação, memoriais descritivos, e ART;
  4. Análise da disponibilidade hídrica, com base em balanço hídrico e enquadramento da bacia;
  5. Emissão do ato de outorga, com definição de prazos (máximo de 35 anos), condicionantes e obrigações legais.

Existem diferentes categorias de outorga:

  • Outorga Preventiva: garante a reserva de vazão para projetos em fase de planejamento;
  • Outorga de Direito de Uso: autoriza o uso efetivo da água;
  • Declaração de Reserva de Disponibilidade Hídrica (DRDH): obrigatória para aproveitamentos hidrelétricos;
  • Renovação, modificação ou transferência: mediante solicitação formal e reanálise técnica.

Boas práticas para quem precisa de outorga

  • Diagnostique os usos de água da sua atividade (quantidade, tipo, local e finalidade);
  • Consulte o órgão gestor sobre a necessidade de outorga ou dispensa;
  • Elabore um projeto técnico completo e com respaldo legal (ART);
  • Respeite o prazo de validade e protocole a renovação antes do vencimento;
  • Mantenha registros e controle de volumes captados e lançados;
  • Integre a gestão hídrica ao sistema de gestão ambiental do empreendimento.

Conclusão

Regularizar é garantir segurança, viabilidade e sustentabilidade. A outorga de direito de uso da água não é um mero trâmite burocrático: trata-se de um instrumento de governança hídrica e segurança ambiental. Seu correto cumprimento assegura ao empreendedor:

  • Segurança jurídica;
  • Eficiência operacional;
  • Sustentabilidade ambiental;
  • Credibilidade institucional e acesso a financiamento.

Na ECCONEX, oferecemos assessoria completa para elaboração de projetos de outorga, renovação, revisão e integração com processos de licenciamento ambiental.

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